O preço da liberdade e os livros

Compartilhe:

28 de novembro de 2024

O preço da liberdade e os livros

Por Diego Drumond


Livro e liberdade deveriam ser a mesma coisa. Desde a invenção dos primeiros símbolos, liberdade fomentou leitura e interpretação, que estimularam a circulação de livros, e esse ciclo é liga das principais engrenagens do processo civilizatório. “A liberdade é uma livraria”, ensinou o poeta espanhol Joan Margarit.

A oferta de livros deve ser livre. A demanda também. O conteúdo, sem dúvida, só será de qualidade se produzido isento de sombra censora, escrito sem medo de pensar.

Livros são e devem permanecer sempre livres em todos os aspectos, inclusive nos preços.

Assim como é feito com a maioria dos produtos confeccionados sob livre iniciativa, quem deve calcular e estabelecer o preço de venda de um livro é a empresa que o oferta ao mercado, no nosso caso a editora, que investiu na produção e assumirá os riscos da publicação. No Brasil, a cadeia produtiva dos livros não é tranquila nem voa em céu de brigadeiro, mas é capaz de equilibrar oferta, demanda e preços, sempre fez, funciona.

Como a prática insiste em interferir nas teorias, o mercado editorial apresenta um calcanhar de Aquiles que desafia o pensamento econômico. Longe do senso comum que acredita ser a digitalização do mundo, ou os baixos índices de leitura, nosso ponto mais fraco hoje é exposto por um estratagema antigo, utilizado por varejistas generalistas, e que sufoca nossos pontos de venda especializados. O livro está sendo usado como isca de baixo investimento para pesca e cativação de clientes qualificados. Quem compra e lê livros já venceu ou vai vencer na vida e, nesse sentido, é o peixe que todo varejista deseja em seu aquário.

A minhoca parece suculenta, você é livre para escolher, um forte desconto aparece naquele livro novo, que você já decidiu comprar, porém ainda não escolheu onde. A tentação é grande, o frete é grátis e o anzol é certo. A linha vai te levar diretamente à base de dados de um varejista generalista que almeja vender muito mais do que livros. O esforço dele é conquistar esse leitor e conduzi-lo ao outro lado da tabela de preços, onde mora a margem de lucro.

É uma tática inteligente e agrada consumidores que deduzem que tudo o que varejista faz é para favorecê-lo, melhor atendê-lo e os preços serão sempre favoráveis por ali. Não é ilegal, os descontos são livres. Mas essa tática tem um efeito colateral sério.

Livrarias são varejistas especializados, o faturamento advém preponderantemente da venda de livros. Se tentarem acompanhar os fortes descontos que varejistas generalistas concedem para os livros recém-lançados, marcarão encontro com as bancas de advogados que organizam as recuperações judiciais, como vimos em série, recentemente.

Cada vez que uma livraria fecha ou é reduzida, alguém deixa de descobrir um livro e isso é sempre uma perda para toda a sociedade. Se meu espaço fosse ilimitado eu detalharia como isso forçará até os varejistas a trocarem de isca, lá no dia em que todos nós estivermos lendo menos. Grandes magazines não querem ser livrarias, é muito trabalho para pouco dinheiro.

A principal virtude da livraria consiste em ser um comércio e um aparelho cultural ao mesmo tempo, um negócio gerido com arte e matemática. Mesmo que não venda um só livro num dia ruim, a livraria oferta valor para os que visitam, eleva o bairro e a cidade, traz cultura ao povo. Como escaparmos da armadilha e, ao mesmo tempo, mantermos nossa liberdade econômica?

Cada qual a seu modo, Japão, Espanha, Argentina, Itália, México, França, Alemanha, Inglaterra, Coréia do Sul, Portugal e diversos outros, chegaram à mesma fórmula sofisticada e que deu conta de equalizar o mercado, evitando distorções artificiais, sem ferir a liberdade de preços e a livre iniciativa, rejeitando regulação. É uma solução já antiga, alguns países aplicam com sucesso faz mais de meio século, comprovadamente eficaz para uma disfunção mercadológica recorrente no mundo dos livros.

As editoras determinam livremente os preços e podem modificá-los a qualquer tempo, inexiste tabelamento ou o Estado intervindo no preço do produto. É vedada a concessão de descontos exagerados (acima de 10%) apenas em livros recém-lançados. Depois de um ano, os descontos são liberados. A breve restrição é um lampejo, alcança somente 6% dos livros à venda, mas, com efeito, ilumina a alma das livrarias, que passam a vender o “pão quente” em igualdade de condições, concorrendo em um mercado livre e sobrevivendo para ofertar e difundir todo o restante da produção literária mundial, que vale pouco como isca, mas que exprime todo o conhecimento existente no mundo civilizado e precisa ser semeada.

Estudos sólidos comprovam que esse sistema, no médio prazo, estimula a redução dos preços sugeridos pelas editoras, já que passam a ser menos pressionadas por descontos e deixam de reagir prevendo preços majorados para cobrirem seus custos de produção. Os preços médios entre livrarias e varejistas generalistas findam convergindo numa linha inferior aos patamares anteriores.

O mercado editorial brasileiro adapta, assimila, negocia e burila esse sistema faz mais de vinte anos, equilibrando preservação do livre mercado e justa vedação às práticas destrutivas anticoncorrenciais. Nosso Congresso Nacional decidirá em breve se seguiremos buscando o caminho de uma nação leitora, com livros e livrarias livres.

Viva o livro, viva a liberdade, viva a livraria!

Diego Drumond é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, diretor da Associação Brasileira de Difusão do Livro, sócio da Faro Editorial e da Drummond Livraria.

Gostou do conteúdo?

Compartilhe agora mesmo.

Compartilhe:

Newsletter

Cadastre-se e receba notícias em seu e-mail!

    A CBL está comprometida a respeitar a sua privacidade, utilizaremos seus dados para marketing. Você pode alterar suas preferências a qualquer momento.

    Siga a @cbloficial nas redes sociais