Por Fernanda Gomes Garcia, Diretora-executiva da Câmara Brasileira do Livro
A união e colaboração das entidades do livro foram fundamentais para enfrentar o desafio de garantir a imunidade tributária do livro, especialmente frente à proposta de reforma tributária iniciada em meados de 2020. Neste período, surgiu a proposta da criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), uma medida que abarcaria todos os bens e serviços do país, incluindo os livros que, desde a promulgação da Lei 11.033/2004, gozavam de alíquota zero de PIS/Cofins, representando uma desoneração importante para o setor e para a sociedade.
Governantes e representantes do Ministério da Economia se manifestaram naquele momento publicamente a favor da tributação dos livros, ignorando sua importância econômica, estratégica e social. Em resposta, as entidades representativas do setor, como a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), com o apoio da Associação Nacional de Livrarias (ANL), da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), e da Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), uniram-se em uma frente combativa e estratégica e publicaram o Manifesto em Defesa do Livro, que resultou em muitas matérias e entrevistas, colocando o assunto em pauta, e um abaixoassinado com cerca de 1,5 milhões de assinaturas, engajando a sociedade brasileira.
Durante aquele período em que a discussão da reforma tributária mantinha um ritmo acelerado e parecia ter força para uma conclusão ainda naquela legislatura, foram realizadas 54 reuniões com parlamentares e representantes do governo, conversas com influenciadores sobre a matéria, além de uma ampla campanha de comunicação que trouxe relevância e manteve o engajamento em defesa do livro. No entanto, a reforma perdeu ímpeto no período pré-eleitoral, sendo retomada apenas com o início do mandato dos novos governantes e congressistas.
Com o início dos novos mandatos no Poder Executivo e no Congresso Nacional, em 2022, o assunto retomou força e começou a se delinear. A CBL, neste momento, também tinha uma nova diretoria liderada por Sevani Matos e composta por diversos membros que já acompanhavam o assunto atentamente.
A retomada apresentava novos desafios: o mapeamento da composição do congresso, a “leitura” dos posicionamentos de membros de ministérios e secretarias envolvidos com o assunto e a conscientização dos novos atores no processo de discussão da reforma. Foi necessário articular ações para a reconstrução de diálogos com os novos membros do governo e do congresso, enfatizando os danos que a proposta original da CBS poderia causar ao setor do livro e à sociedade brasileira.
Sob a liderança dos presidentes Sevani Matos (CBL), Angelo Xavier (ABRELIVROS), Dante CID (SNEL) e Mario Ghio (ABRASPE), que se juntou ao grupo nesta segunda fase, as entidades mantiveram a união e alinhamento fundamentais para este novo enfrentamento da questão que exigiu muita articulação, firmeza e persistência
O acompanhamento do assunto exigiu das entidades frequentes reuniões de alinhamento, discussões constantes de estratégia e elaboração de posicionamentos à medida que a discussão da reforma tributária avançava. Foram elaboradas diversas notas técnicas e estudos, destacando o impacto negativo que a taxação do livro imporia ao setor do livro e à sociedade.
Nesta fase, embora houvesse certo conhecimento sobre a imunidade do livro e sua importância, foi necessário esclarecer sobre o ponto específico da CBS e sensibilizar os novos líderes da reforma em um ambiente em que todos os setores também apresentavam seus pleitos e disputavam a atenção para as próprias demandas. Neste cenário, foi fundamental a participação ativa em audiências públicas, a cobrança de reuniões com parlamentares, e uma presença permanente em Brasília, para que a demanda do setor do livro permanecesse no radar e fosse considerada.
A participação ativa em reuniões virtuais, idas a Brasília, audiências públicas e diálogos diretos com influenciadores da reforma, como o coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributaria, Reginaldo Lopes, e o relator da PEC 45 na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro, evidenciaram a mobilização do setor.
Apesar de todos os esforços, na ocasião da divulgação do relatório o texto ainda não garantia que a CBS não se aplicaria ao livro. Este era o momento decisivo e a elaboração de uma emenda juridicamente precisa que assegurasse a imunidade tributária ampla do livro era fundamental. Contamos com apoio jurídico e parlamentar especializado e em consenso e perfeitamente alinhadas as entidades foram a campo para discutir e negociar o texto. Essa emenda foi vitoriosamente incluída no relatório final, aprovado pela Câmara dos Deputados em sete de julho de 2023, e seguiria para o Senado.
No Senado, o monitoramento foi permanente. O esforço contínuo e engajado das entidades junto aos senadores garantiu a manutenção da emenda, embora o texto tenha sofrido modificações por ocasião da aprovação no Senado.
Com a aprovação da PEC da Reforma Tributária na Câmara em 15 de dezembro de 2023, o texto foi promulgado no dia 20 de dezembro do mesmo ano, resultando em uma vitória histórica para o setor do livro. Agora, a constituição assegura a ampla imunidade do livro sobre impostos e também para a CBS, que fica subordinada também ao disposto no artigo 150, VI, alínea “d”.
Essa conquista representa uma das maiores vitórias do setor do livro nos últimos anos, fruto da união e do engajamento das entidades representativas, demonstrando o poder da colaboração e da persistência na defesa de interesses comuns para o bem da sociedade e da cultura brasileira.