Erivan e os desafios do mercado editorial

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18 de janeiro de 2017

Erivan e os desafios do mercado editorial

POR IVANI CARDOSO - Publishing Perspectives Educação  - 18/01/2017

Nesta quarta (18/01), a Cortez Editora completa 37 anos. Fundada por José Xavier Cortez, tem Antonio Erivan Gomes, 51 anos, como editor comercial, que acompanha a trajetória da empresa desde a criação. Erivan é sobrinho de Cortez, nasceu no Sítio Santa Rita, na caatinga do Rio Grande do Norte, e veio com 11 anos para São Paulo para morar com o tio e estudar. Com 14 anos começou a trabalhar na primeira editora de Cortez como office-boy, e uma das exigências do tio era que, além da escola, ele dedicasse duas horas por dia à leitura. Para Erivan, que nunca tinha chegado perto de um livro até os 11 anos, era difícil cumprir a tarefa, principalmente porque entre os livros indicados pelo tio estavam Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e Solo de clarineta, de Érico Verissimo, de difícil compreensão para sua idade. Ele até que tentou ler, pulando páginas, mas não foi nada divertido. Mas um dia o milagre aconteceu, quando entrou em uma livraria antiga e encontrou Menino de engenho, a primeira obra, de José Lins do Rego. “Eu me identifiquei com o livro que falava da minha realidade ainda muito próxima e me despertou o amor pela leitura. Erivan está na diretoria da Câmara Brasileira do Livro desde 2003 e recentemente assumiu a vice-presidência (são quatro vices, por região) do Grupo Ibero-americano de Editores (GIE), entidade que reúne 22 câmaras do livro de 20 países. Nessa entrevista, o diretor da Cortez fala sobre os novos rumos da editora, seu empenho para ampliar o projeto Acervo Internacional Cortez Editora, idealizado por ele e lançado em 2016, e comenta os desafios do mercado editorial brasileiro em tempos de crise.

Confira a íntegra da entrevista:

O momento econômico difícil provocou mudanças na empresa?
A Cortez Editora conta com mais de 1.300 títulos em catálogo de autores, em sua maioria, brasileiros. Com as mudanças no mercado editorial e o momento econômico, em 2016 resolvemos vender apenas títulos da editora na Livraria Cortez. Estamos ao lado de uma universidade, mas não conseguimos trazer todo esse público cliente da livraria e, por isso, encerramos como livraria geral, mas para professores, estudantes e pesquisadores temos um acervo interessante de títulos nas áreas que atuamos. Temos um espaço cultural que vamos trabalhar melhor, estamos reestruturando. Nossa ideia é fazer lançamentos, até mesmo de outras editoras, abrir para palestras de autores, reuniões de professores da PUC e outras atividades.

A previsão é de um 2017 mais difícil?
Infelizmente 2016 foi um ano complicado para o mercado editorial e a previsão para 2017 não é muito animadora. Vamos limitar as traduções e reforçar o mercado interno para posteriormente atuar bem no Exterior. Nos últimos dez anos publicamos cerca de 80 títulos por ano, só de novas edições (de 200 a 300 reimpressões). Em 2015 publicamos cerca de 50 livros por mês, em 2016 foram 40 e esse ano devemos fechar com esse número novamente. Vamos reforçar a publicação nas áreas em que atuamos (como Educação, Serviço Social, Sociologia, Ciências da Linguagem e Literatura Infantojuvenil). Uma editora não tem possibilidades de fazer muitos investimentos na produção de um livro, que é cara, porque o retorno é a longuíssimo prazo, principalmente quando você trabalha com editoras acadêmicas.

Que outras mudanças virão?
Outra estratégia para os próximos anos é a de fazer com que 2/3 do nosso catálogo seja de impressão sob demanda. É uma outra realidade e prestadores de serviços e gráficas estão trabalhando nesse segmento, com um custo bem menor. A impressão sob demanda (POD, na sigla em inglês) vem sendo utilizada já há tempos pela indústria editorial dos EUA, como meio de reduzir estoques e melhorar as condições de logística. Podemos ter uma escala para 50 exemplares, por exemplo, com um custo relativamente compensador, viabilizando assim manter um pequeno estoque. O maior potencial de uma editora é o seu catálogo e esse sistema permite, inclusive, que livros esgotados voltem às prateleiras. Claro que as editoras mais antigas levam desvantagem porque não possuem os arquivos digitais, as novas editoras têm esse ganho. O mercado mudou e as editoras e o mercado livreiro devem se adaptar a uma nova realidade.

A editora voltou seu olhar para o mercado internacional. Está dando certo?
Sim, estamos investindo na internacionalização do nosso catálogo, promovendo no exterior autores e ilustradores brasileiros. Participamos continuamente das principais feiras internacionais de livros como Frankfurt, Bolonha e Guadalajara, e nosso foco principal é a venda de Direitos Autorais. Nos últimos anos, foram vendidos 25 títulos para diferentes países como China, Coreia do Sul, Taiwan, Malásia, Líbano, Espanha, Portugal, Estados Unidos, Turquia e Colômbia.

O que é o projeto AICE?
O projeto Acervo Internacional Cortez Editora foi lançado na Bienal do Livro em 2016 e tem como finalidade principal disponibilizar títulos e autores importantes nos idiomas originais nas áreas em que publicamos. Inicialmente temos 31 títulos e, nos próximos 12 meses, a expectativa é a de contarmos com cerca de 150 títulos nesse projeto. A proposta é manter uma seleção diferenciada de livros importados (escolhidos pelos especialistas de nossas comissões editoriais) impressos nos idiomas originais.

Quem se beneficiará desse acervo?
Acreditamos que os maiores beneficiários serão os professores e pesquisadores de pós-graduação de universidades de todo o país. Estes terão, à sua disposição, títulos importados com preços similares aos livros brasileiros. Sabemos que um dos grandes problemas do livro importado é o seu preço e o tempo de espera para a importação. Com o AICE teremos o livro para pronta entrega a preços competitivos e com a possibilidade de contar com autores importantes de outros países que dificilmente seriam traduzidos aqui. Eu trago o livro tal e qual impresso lá, e faço um acordo com a editora. O livro importado é caro, é proibitivo por conta de tudo, da mesma forma que é proibitivo um livro brasileiro quando chega a Portugal. Com a impressão feita aqui eu consigo viabilizar as vendas com um preço justo.

Que tipo de livro interessa?
A Cortez está viabilizando aumentar seu fundo editorial em algumas áreas que atuamos. Por exemplo, nós não tínhamos nada de Walter Benjamin e agora temos, trouxemos um livro sobre ele de uma editora espanhola e vendeu relativamente bem. Já trouxemos 31 livros, por enquanto somente de duas editoras espanholas, mas pretendemos ter 200 títulos daqui a dois anos, em inglês, francês e espanhol. Esses idiomas têm mais leitores e esse projeto é focado no cliente. Temos que fazer de tudo para que a editora ganhe e o editor do original também ganhe através de royalties, mas o livro importado vai chegar com preço nacional. A chave é a confiança, ainda não somos muito conhecidos lá fora, mas vamos chegar lá.

Como será sua atuação no GIE?
Fui indicado pela diretoria da CBL, para uma gestão de dois anos, e estou entre os quatro vice-presidentes regionais. O GIE é uma instituição que tem como objetivo a difusão da leitura, a defesa do mercado e a livre circulação do livro na América Latina. Acho que o GIE deve ter um protagonismo maior, ainda é uma instituição pequena, muita gente não conhece. Pode ter, por exemplo, um protagonismo junto a The International Publishers Association. A IPA quer fazer seminários sobre Direitos do Autor na América Latina, uma questão muito relevante para o nosso mercado. Editoras que publicam livros acadêmicos podem sofrer um grande prejuízo se o seu conteúdo for aberto para qualquer universidade e governos. O GIE tem como uma das bandeiras trabalhar essa questão, seria um dos braços da IPA na América Latina.

Como está o mercado para vender direitos lá fora?
Desde 1992 promovemos o autor e o ilustrador brasileiro fora do País. Ha dez anos nós sempre vendemos nossos livros acadêmicos em Portugal, hoje não se vende mais, mas foi em uma viagem para Portugal e Espanha que eu tive a ideia de passar a vender direitos e não comprar. Os resultados são relativos, mas participando das feiras internacionais foi possível entrar nesse mercado e conhecer mais as editoras internacionais. Quando percebemos que havia mudado a política do filho único na China, isso nos alertou e resolvemos participar da Feira do Livro de Xangai em 2014 e 2015. Imagine um mercado em que vão entrar por ano mais ou menos de 15 a 20 milhões de crianças. Haverá um baby boom, e mesmo que inicialmente eles busquem livros de padrão mais comercial e as séries, a tendência é que posteriormente os próprios pais procurem o livro brasileiro, aquele título literário com conteúdo diferenciado, é o resultado natural do amadurecimento do mercado. É uma das nossas apostas para os próximos anos.

Entrar nesse mercado é difícil?
Vamos concorrer com os grandes como americanos e ingleses, mas nosso livro hoje também tem uma qualidade estética, gráfica e de texto. Alguns livros foram traduzidos e já conseguimos negociar com a China, Malásia, Coreia. Dez títulos não representam muito, mas é um começo para uma editora que chegou lá e não era conhecida. A participação no Brazilian Publisher também foi fundamental porque sem esse apoio da Apex e da CBL não haveria oportunidade para comprar espaços e montar estandes nessas feiras. O Brasil precisa se posicionar como país vendedor. A China está em uma fase de transição, eles foram e são grandes compradores de conteúdo, estão fazendo um esforço gigante e em suas feiras trazem comitivas de autores e ilustradores do mundo inteiro. Taiwan e Coreia são países compradores, assim como o Brasil é. Temos uma produção de conteúdo muito grande, pena que esse trabalho não é feito institucionalmente no Brasil, depende muito dos editores e poucos têm interesse em sair do país e mostrar sua produção lá fora.É mais fácil comprar, vender é um desafio muito grande, exige investimento e com retornos.

Para a Cortez o retorno tem sido bom?
Não pagamos o custo de participar da Feira do Livro de Xangai com o que vendemos lá, mas estamos pensando para frente. Se hoje eu tenho 30 livros vendidos, daqui a dois anos podemos ter 50 e em cinco anos estaremos recebendo royalties desses livros vendidos.
Nós temos um complexo de coitadinhos, mas não somos. A qualidade do livro no Brasil é reconhecida e temos que valorizar nosso trabalho. Estamos apostando em uma nova ideia, mesmo que no começo seja difícil. Procuramos também empresas parceiras para vender nossos livros lá fora em um segundo momento. O Brasil não produz na língua que tem que produzir que é em inglês, é um problema da academia, a universidade brasileira não abriu os olhos para esse mercado gigante que atinge 100 bilhões de dólares ano no mundo de universidades que têm cursos em outras línguas, como as universidades portuguesas que têm cursos em inglês.

Quais são os novos projetos para 2017?
Na área do livro infantil, investimos R$ 60 mil em traduções, mas não podemos fazer isso com todo catálogo, é um valor alto e as traduções precisam ser de especialistas. Nossos livros infantis, cerca de 100, no catálogo, estão também em inglês e pretendemos continuar dessa forma. Temos a aposto do “Livro que lê gente”, que foi selecionado pela Cátedra da Unesco entre os dez melhores e também pelo site Leiturinha. Podemos dizer que 100% das nossas edições de literatura infantil são de autores e ilustradores brasileiros. Apenas 5% do nosso catálogo geral, de 1300 títulos, são traduções.
A literatura infantil no Brasil tem se desenvolvido. Nós começamos em 2004 e hoje temos cerca de 400 títulos, um catálogo bem interessante. Temos também um novo livro do Mario Sergio Cortella para pais e professores e outro do Boaventura Sousa Santos, um autor português na área de Sociologia, que devem ter bom retorno.

Você lê bastante?
Gostaria de ler muito mais, mas não tenho muito tempo. Tenho três filhos: o Pedro, 18 anos, o Igor, de 3 anos, e o Iuri, com seis meses. Agora estou na fase de ler com o Igor todas as noites literatura infantil. Está sendo muito bom.

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