Por Vitor Tavares
Perto do apagar das luzes de 2021, estamos prestes a terminar o que parece ser um dos últimos capítulos de um intrincado enredo de não ficção vivido por nós, autores-personagens, com fortes doses de terror e suspense. A trama, centrada nos efeitos da transmissão de um novo coronavírus, que já matou cerca de 600 mil brasileiros, nos fez chorar como nunca. Mas também trouxe alegrias jamais vividas, como a da chegada da vacina contra a doença.
Sim, a pandemia já é história. E como tal está no livro da vida. Nestas páginas, que muitas vezes nos pareceram sem fim, o objeto livro ganhou protagonismo, a despeito de números desfavoráveis registrados no mercado editorial. Sim, estamos falando de um ano (2020) em que as vendas recuaram de 434 milhões de unidades, em 2019, para 354 milhões, queda de 18,43%. Isso levou à redução de 8,78% no faturamento total do setor. Também houve diminuição de 20,5% na tiragem e de 7,8% na quantidade de títulos, em relação ao ano anterior.
Dos 46 mil títulos editados, 76% eram reimpressões, o que significou um tombo de 17,4% no total de novos títulos. O setor produziu 314 milhões de exemplares no total, sendo apenas 18% de lançamentos. Os números estão na pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, realizada pela Nielsen Book, com coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), e divulgada em maio deste ano.
O prejuízo dos leitores é um capítulo à parte. Com o fechamento de livrarias físicas, em razão da crise e da pandemia, quem gosta de ler perdeu oportunidades de romance. Todos foram privados do encontro com os livros, do encantamento pelas novas capas, do prazer de manuseá-los e de sair com um exemplar para melhor desfrutá-lo em casa. Só numa livraria “de carne e osso” é possível fazer descobertas assim e ainda ter a oportunidade (quem sabe?) de troca com autores e livreiros.
Por outro lado, o levantamento da Nielsen nos mostra que o leitor deu um jeito de não ficar longe do seu objeto do desejo. Com 53 milhões de exemplares comercializados pela internet, as vendas em livrarias exclusivamente virtuais, que, em 2019, representavam 12,7% do total, em 2020, passaram a ser 24,8%. O crescimento da participação destas livrarias no faturamento das editoras foi de 84% no período.
Cresceu também a bibliodiversidade - a necessária diversidade das publicações a serem disponibilizadas aos leitores. A produção literária aumentou e surgiram muitos novos autores, de trajetórias diferentes, que jogaram luzes sobre temas relacionados a questões de gênero, de classe, étnicas... Afinal, pessoas diferentes, em geral, têm repertórios diferentes, o que gera livros diferentes. Com isso, ganhou espaço o empoderamento feminino, racial e social.
Nestes tempos difíceis, o livro vem reafirmando ainda sua importância para a manutenção da liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura. Afinal, o livro não é um espaço para o que é fake: o que se oferece ao leitor é uma obra de ficção ou não ficção. E nem é preciso ler nas entrelinhas que o que a palavra escrita transmite é tão somente a realidade. Ou alguém duvida que mesmo um texto ficcional diz verdades?
Não por acaso, portanto, precisamos seguir cobrando políticas públicas mais assertivas para a valorização do livro. Só assim, podemos mudar a realidade captada pela pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada em 2020. Nela, constata-se que apenas 52% dos brasileiros têm o hábito da leitura. E um número por demais preocupante: um em cada três brasileiros jamais comprou um livro. Outro dado que entristece é que dois em cada três brasileiros (67%) nunca contaram com alguém que lhe incentivasse a leitura.
Mesmo diante dessa realidade, no ano passado, o Executivo enviou ao Congresso um projeto de lei que cria a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços. Se aprovada, a CBS estabelecerá uma alíquota única de 12% que incidirá também sobre os livros, quebrando uma imunidade tributária de oito décadas. Como consequência, isso levará a um aumento, estimado em 20%, do preço de capa, o que prejudicará ainda mais o acesso à leitura, justamente para a parcela mais vulnerável da população.
Apesar de tudo, há, sim, motivos para de comemorar, neste 29 de outubro, o Dia Nacional do Livro. Já estamos começando a escrever novas histórias, e o tom no geral é de superação. Está aí a reabertura econômica gradual, que aos poucos permite a retomada de eventos presenciais como as bienais e feiras do livro. No ano passado, a 1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo provou que é possível garantir o acesso e a participação de muito mais brasileiros, inclusive de fora do país, num evento online.
Este ano, já tivemos a volta da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, em outubro, e teremos a Bienal do Livro do Rio, agora em dezembro, ambas com edições híbridas. A 26ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo também já tem data marcada: 2 a 10 de julho de 2022.
Viremos a página!
Vitor Tavares é presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)