Aumento no custo afeta o consumo e, logo, investimentos em novos títulos
Vitor Tavares da Silva Filho – Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
Folha de SP – 29/10/2020
A história que conto aqui é antiga. Mas não ultrapassada ou finalizada. Sua versão brasileira começou a ser escrita com a Constituição de 1946, e seu primeiro capítulo teve como protagonista Jorge Amado. O escritor e deputado federal que, com uma emenda, garantiu a isenção de impostos para o papel usado na impressão de livros e jornais. Tão atemporal e marcante quanto best-sellers como “Tieta do Agreste” são suas palavras à época: “Nossa emenda visa libertar o livro brasileiro daquilo que mais trabalha contra ele, daquilo que impede que a cultura brasileira mais rapidamente se popularize, daquilo que evita que chegue o livro facilmente a todas as mãos, fazendo dele no Brasil um objeto de luxo. Quando tanto o livro escolar quanto o de cultura mais alta constituem necessidade de todos os brasileiros”.
A reforma constitucional de 1967 estendeu a isenção ao objeto livro. E a Constituição de 1988 consolidou a jurisprudência que isenta o livro: estabeleceu que é vedado à União, estados, Distrito Federal e municípios criar impostos sobre ele. Mesmo quando surgiram as contribuições sociais, como PIS/Cofins, a lei nº 10.865, de 2004, reduziu a zero a alíquota de ambas nas vendas de livros. Isso permitiu a redução dos preços: entre 2006 e 2011, o valor médio diminuiu 33%. E o número de exemplares vendidos ao ano cresceu 90 milhões.
Mas eis que surgiu uma reviravolta no roteiro quando o Executivo enviou ao Congresso o projeto 3.887/2020, criando a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços. Se aprovada, a CBS, que estabelece uma alíquota única de 12%, revogará artigos da lei de 2004, atingindo o livro. Ou seja: a reforma tributária ameaça tributar produção, importação e venda de livros.
Com esse novo mote é preciso pensar em qual rumo se quer dar a esta história. Afinal, se estamos aqui (escrevendo ou lendo este artigo), é porque somos fruto do que lemos. Sabemos que 30% dos brasileiros jamais compraram um livro. Que 67% de nós não contaram com alguém que incentivasse a leitura. Ou que, no nosso país, só 56% leram ao menos um livro, ou parte dele, nos últimos três meses.
Qualquer aumento no custo afeta o consumo e, logo, investimentos em novos títulos. E o número de obras novas passou de 20.406 em 2011 para 14.639 em 2018 —uma perda de 28,2%. Também houve queda de 29% no número de livrarias físicas entre 2007 e 2017. Tudo isso sem considerar a eventual incidência da CBS e antes da crise do coronavírus.
Como bom livreiro, sou um contador de histórias. E desta somos todos protagonistas, podemos influir na trama, são muitos os papéis. O meu principal é propagar o livro, assim como editoras, distribuidores e livrarias, físicas e virtuais. Ao tomar partido do livro, defendemos sua bibliodiversidade e toda uma indústria: escritores, editores, gráficos, distribuidores, livreiros… Uma indústria criativa que não esmorece e se reinventa. Aproveite esta quinta-feira (29), Dia Nacional do Livro, para presentear com livros. Ajude a mudar essa história.