Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros)
Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL)
Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
"Os poemas são pássaros que chegam/não se sabe de onde e pousam/no livro que lês./Quando fechas o livro, eles alçam voo/como de um alçapão". Como diria o poeta Mario Quintana, ler um livro é dar asas à imaginação. Mas para que os livros cheguem às mãos de mais brasileiros, como um passaporte não só para um mundo de sonhos, mas para ampliar a educação e a cultura, é preciso focar hoje na letra fria da lei, que precisa ser clara.
É que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado volta a discutir a PEC 110/2019, da Reforma Tributária e, embora acolha a imunidade constitucional do livro, não garante a preservação do tratamento tributário dado hoje ao livro, deixando em aberto a possibilidade de criação de alíquota de 12% de Contribuição sobre Bens e Serviços. Mas a comissão tem a oportunidade de não permitir que essa cobrança venha a ocorrer no futuro, votando pela inclusão das emendas 243 e/ou 244. Ambas alinham o entendimento da imunidade garantida na Constituição para eventuais desdobramentos que possam vir em forma de taxa, contribuição ou qualquer outro nome.
A imunidade do livro é um processo de escolha da sociedade já referendado várias vezes. A Constituição de 1946 garantiu imposto zero ao papel utilizado na impressão de livros e jornais. A reforma constitucional de 1967 estendeu a imunidade ao livro em si. E a Carta Magna de 1988 consolidou essa jurisprudência, ao estabelecer que é vedado à União, estados, Distrito Federal e municípios criar impostos sobre ele. Mesmo quando surgiram contribuições sociais, como PIS/Cofins, a isenção foi mantida: a Lei nº 10.865, de 2004, reduziu a zero a alíquota na venda de livros. Em 2020, o STF reconheceu que o direito à isenção tributária se estende aos meios eletrônicos.
A tradição de isenção de impostos sobre o livro na formulação das leis brasileiras tem como base o fato de o livro ser disseminador de conhecimento, combatendo a desigualdade.
Entre 2006 e 2011, com as alíquotas de contribuições sociais zeradas, o valor médio de capa caiu 33% e o número de exemplares vendidos ao ano cresceu 90 milhões. Eventual taxação hoje exigirá aumento de cerca de 20% no preço de capa, o que prejudicará o acesso à leitura, sobretudo dos mais vulneráveis.
Como maior comprador de livros do Brasil, via Ministério de Educação, o Governo Federal também seria impactado por esse aumento, mesmo que num primeiro momento arrecadasse mais. Por tudo isso, não se pode correr riscos ao lidar com este produto altamente sensível. Sim, precisamos de uma reforma tributária ampla. Mas a imunidade do livro não é um privilégio. O sistema tributário não deve tratar igualmente setores econômicos desiguais. E aqui cabe novamente citar Quintana: "A leitura não muda o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. A leitura só muda as pessoas".