Por Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro
Em “Ensaio sobre a cegueira” (1995), através de uma de suas personagens, José Saramago dá uma pista sobre à que falta de visão se refere: “a cegueira também é isso, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança”. Prestes a entrarmos no ano do centenário de seu nascimento, as palavras do escritor português nunca foram tão perturbadoramente atuais. Saindo de uma pandemia que mudou para sempre nossa realidade, é em 2022 que miramos nossos melhores desejos e expectativas. Sempre com base em nossas referências, construídas a partir do que lemos. Ou, infelizmente, não lemos. Pois Saramago está entre as leituras que me veem à cabeça quando paro para pensar neste ano que no Brasil será eleitoral. Eu estou esperançoso. Acredito no potencial do meu candidato, que é o livro. Afinal, aos homens públicos de qualquer esfera cabe vislumbrar uma forma de abrir caminhos. E o farol é a literatura, o conhecimento. Quem não abraça o futuro do livro tem uma visão míope.
Não é só porque trabalho no mercado livreiro, mas sou um cabo eleitoral da leitura. É nela que os brasileiros podem encontrar seu porto seguro. E nestes tempos difíceis, é notório como o livro vem reafirmando sua importância para a manutenção da liberdade de expressão contra qualquer tipo de censura. Nessa propaganda eleitoral do meu candidato trago números que mostram sua força em 2021. Vejamos, por exemplo, o resultado da 63ª edição do Prêmio Jabuti, principal premiação de literatura do país, em novembro: foram 3,4 mil inscrições, 31% a mais do que no ano passado.
Um ano antes, em dezembro de 2020, a 1ª Bienal Virtual Internacional do Livro de São Paulo, toda em ambiente virtual por conta do coronavírus, teve 1,33 milhão de visualizações – o dobro do número de pessoas que passaram pelo pavilhão do Anhembi na edição de 2018 da Bienal Internacional do Livro de São Paulo recebeu 663 mil visitantes. Foram mais de 190 horas de programação, 100 expositores, 220 autores nacionais, oito estrangeiros e 114 reuniões de negócios com compradores internacionais.
E de 2 a 10 de julho de 2022, no Expo Center Norte, o maior evento literário da América Latina e um dos maiores do mundo que é a bienal paulista chega finalmente à 26ª edição oficial e presencial, após o adiamento em 2020 forçado pela pandemia. Neste ano em que Saramago estará sob holofotes e o Brasil comemora o Bicentenário de sua Independência, Portugal será o país convidado do evento, recebendo uma área específica, onde serão realizadas atividades culturais e de negócios. O objetivo é estreitar as relações e promover a cultura do convidado.
É de arregalar os olhos ver esse desempenho e as perspectivas que se abrem, após um 2020 em que as vendas despencaram de 434 milhões de unidades em 2019 para 354 milhões (-18,43%). Isso levou a uma redução de 8,78% no faturamento total do mercado editorial. Também houve queda de 20,5% na tiragem e de 7,8% na quantidade de títulos em relação ao ano anterior. Além disso, dos 46 mil títulos editados, 76% eram reimpressões, o que significou um tombo de 174% no número de novos títulos. O setor produziu 314 milhões de exemplares no total, sendo apenas 18% de lançamentos. Os dados são da pesquisa Produção e vendas do setor editorial brasileiro, da Nielsen Book, com coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que foi divulgada em maio. Sem falar que entre 2006 e 2020, o mercado registrou queda de 30% nas vendas, atingindo o menor patamar nesses 15 anos.
Pois a bandeira do livro é a de melhorar o país como um todo. Afinal, segundo a 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2019-2020 – realizada pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com o Itaú Cultural, e aplicada pelo Ibope Inteligência, o Brasil tem cerca de 100 milhões de pessoas que leem, o equivalente a 52% da população. E 67% dos brasileiros não contaram com alguém que incentivasse a leitura. Do total, só 56% leram ao menos um livro, ou parte dele, nos 3 meses anteriores ao levantamento.
Mudar esta realidade requer não apenas o esforço dos livreiros – e é preciso destacar aqui o empenho deste incrível e grande exército de Brancaleone, no melhor sentido, que não esmorece nunca: empreende, desenvolve novos projetos e planeja abrir filiais das insubstituíveis livrarias físicas –, mas de políticas públicas para incentivar novos leitores. E algumas saltam aos olhos.
É preciso, por exemplo, fazer valer a Política Nacional de Leitura e Escrita, instituída em 2018 como estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de acesso público no Brasil. Segundo a lei 13.696, a PNLE deveria ser implementada pela União, por intermédio do Ministério da Cultura, que já nem existe mais, e do Ministério da Educação, em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios e com a participação da sociedade civil e de instituições privadas. Mas, até agora, é tudo história não finalizada, em nossa imaginação.
Já as despesas em educação, como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) – e, em última instância, o livro – deveriam ser efetivamente enquadradas como política de Estado, e suas despesas determinadas como obrigatórias.
Também preocupa o projeto de lei 3887, da reforma tributária apresentada pelo Ministério da Economia em julho de 2020, em tramitação no Congresso Nacional. Se aprovado, é o fim da imunidade tributária do livro, conquistada há quase 80 anos, pois passará a ser cobrada uma alíquota de 12% sobre ele. Isso levará a um necessário aumento, estimado em 20% sobre o preço final de capa, o que vai prejudicar ainda mais o acesso à leitura (e à cultura, ao conhecimento, à educação) justamente da população mais vulnerável.
Há ainda necessidades como garantir a defesa do direito autoral, impedindo, por exemplo, a concorrência desleal de aplicativos que oferecem os chamados microbooks, com resumos dos livros, dando ao leitor um falso atalho para o conhecimento.
E aqui me ocorre outra obra – “O direito à literatura e outros ensaios”, do mestre Antonio Candido – que nos anos 1980 já nos mostrava como a literatura é um direito tão importante quanto as necessidades mais básicas de um ser humano. Segundo ele, para garantir o direito de todos a ela, é preciso um acervo organizado, disponível e acessível a qualquer pessoa, de todas as idades, cores, credos e orientações sexuais. É preciso também que esse acervo convide e seduza, possibilitando a formação de leitoras e leitores. Portanto, olho vivo: em 2022, vote no livro.