{"id":91092,"date":"2024-11-28T16:08:29","date_gmt":"2024-11-28T19:08:29","guid":{"rendered":"https:\/\/cbl.org.br\/?p=91092"},"modified":"2024-11-28T16:09:47","modified_gmt":"2024-11-28T19:09:47","slug":"o-jabuti-e-a-realidade-da-literatura-brasileira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/cbl.org.br\/es\/2024\/11\/o-jabuti-e-a-realidade-da-literatura-brasileira\/","title":{"rendered":"O Jabuti e a realidade da literatura brasileira"},"content":{"rendered":"

Por Hubert Alqu\u00e9res<\/em><\/p>\n

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O Pr\u00eamio Jabuti se consolidou como um marco da literatura brasileira. A cada edi\u00e7\u00e3o, revela novos escritores e consagra obras que entram para a hist\u00f3ria de nossa cultura. \u00c9 uma prova viva da diversidade cultural de nosso povo, projetando, em muitos momentos, nossa literatura para o mundo. Assim tem sido desde sua primeira edi\u00e7\u00e3o, quando a grande obra de Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela, foi vencedora na categoria romance. Chegamos \u00e0 66\u00aa edi\u00e7\u00e3o com o mesmo esp\u00edrito de inova\u00e7\u00e3o, criatividade e determina\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de um olhar otimista sobre o potencial e a riqueza de nossa produ\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria.<\/p>\n

A hist\u00f3ria do pr\u00eamio, institu\u00eddo pela C\u00e2mara Brasileira do Livro (CBL), \u00e9 tamb\u00e9m a de celebrar obras que tocam profundamente o cora\u00e7\u00e3o dos brasileiros. Neste exato momento, o pa\u00eds se emociona com a hist\u00f3ria de Eunice Paiva, vi\u00fava do deputado Rubens Paiva, assassinado nos por\u00f5es do regime militar. Os cinemas est\u00e3o lotados para assistir a Ainda Estou Aqui. O filme foi baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, cuja obra foi premiada no Jabuti. Esse caso mostra como a premia\u00e7\u00e3o tem a sensibilidade de reconhecer livros que transcendem as p\u00e1ginas e ganham vida em outras formas art\u00edsticas, refor\u00e7ando seu papel como term\u00f4metro da relev\u00e2ncia cultural de nossa literatura.<\/p>\n

Cada edi\u00e7\u00e3o \u00e9 tamb\u00e9m um momento de reafirmar valores e refletir sobre os desafios que nos cercam. Vivemos uma situa\u00e7\u00e3o paradoxal. De um lado, temos um mercado editorial e um parque produtivo extremamente diversificados e ricos. Como prova, a edi\u00e7\u00e3o deste ano demonstra que o Brasil continua produzindo obras liter\u00e1rias de excel\u00eancia nas diversas categorias do pr\u00eamio.<\/p>\n

Por outro lado, assistimos, com preocupa\u00e7\u00e3o, \u00e0 mudan\u00e7a nos h\u00e1bitos dos brasileiros quanto ao uso do tempo livre. As intensas transforma\u00e7\u00f5es em curso impactam esses h\u00e1bitos, e os livros enfrentam concorrentes poderosos, como as redes sociais e os jogos eletr\u00f4nicos.<\/p>\n

A recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pr\u00f3-Livro, revelou que o pa\u00eds perdeu 6,7 milh\u00f5es de leitores nos \u00faltimos cinco anos. Mais grave: a maioria dos brasileiros, 53% do total, n\u00e3o leu um s\u00f3 livro ou uma parte de um livro. Esse cen\u00e1rio afeta especialmente a juventude. Segundo a coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, \"est\u00e1 crescendo o percentual de jovens que dizem estar nos games, assistindo a v\u00eddeos\".<\/p>\n

Esse n\u00e3o \u00e9 um problema apenas do mundo liter\u00e1rio e do mercado editorial. \u00c9 uma quest\u00e3o nacional que requer pol\u00edticas p\u00fablicas de incentivo \u00e0 leitura. Jovens que leem pouco se tornar\u00e3o futuros cidad\u00e3os com baixo conhecimento da realidade que os cerca, despreparados para se inserir na sociedade e no mercado de trabalho. Um pa\u00eds de pouca leitura \u00e9 uma na\u00e7\u00e3o que n\u00e3o valoriza sua mem\u00f3ria e a criatividade do pr\u00f3prio povo.<\/p>\n

O Jabuti tem, em seu DNA, a liberdade de express\u00e3o como um valor inegoci\u00e1vel. \u00c9 imposs\u00edvel a literatura se desenvolver plenamente em meio \u00e0 censura e \u00e0 limita\u00e7\u00e3o do livre circular das ideias. Esse valor inarred\u00e1vel nos leva a lamentar e manifestar nossa preocupa\u00e7\u00e3o com uma s\u00e9rie de epis\u00f3dios que indicam que a censura voltou a pairar sobre a literatura brasileira como uma espada de D\u00e2mocles.<\/p>\n

No in\u00edcio deste ano, o livro O Avesso da Pele, de Jefferson Ten\u00f3rio, vencedor do Jabuti em 2021, foi alvo de censura em dois estados e recolhido de escolas p\u00fablicas. N\u00e3o se trata de um epis\u00f3dio isolado. Mais recentemente, o ministro Fl\u00e1vio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), censurou quatro obras jur\u00eddicas e determinou sua destrui\u00e7\u00e3o, sob o pretexto de conterem conte\u00fado homof\u00f3bico e mis\u00f3gino.<\/p>\n

Os fins n\u00e3o justificam os meios. Nada, absolutamente nada, justifica a censura. A destrui\u00e7\u00e3o de livros \u00e9 pr\u00e1tica de sociedades dist\u00f3picas e estados autorit\u00e1rios. A literatura j\u00e1 descreveu o que isso representa na grande obra Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Os tempos das fogueiras da Santa Inquisi\u00e7\u00e3o e do bombeiro Guy Montag, o incinerador de livros, n\u00e3o podem retornar.<\/p>\n

Pasmem: em pleno s\u00e9culo XXI e quarenta anos ap\u00f3s o fim da ditadura, a censura de Dona Solange voltou a dar o ar de sua gra\u00e7a. A Secretaria da Educa\u00e7\u00e3o de Rond\u00f4nia censurou, sob a alega\u00e7\u00e3o de \"conte\u00fados inadequados\", livros de Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Franz Kafka e Edgar Allan Poe.<\/p>\n

A censura, venha de onde vier e seja qual for o pretexto, \u00e9 incompat\u00edvel com o Estado Democr\u00e1tico de Direito, pois fere uma das cl\u00e1usulas p\u00e9treas de nossa Constitui\u00e7\u00e3o-Cidad\u00e3.<\/p>\n

O Jabuti \u00e9 um momento de alegria e celebra\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m de homenagear grandes figuras que nos deixaram em 2024 e cuja contribui\u00e7\u00e3o para o mundo das letras continuar\u00e1 entre n\u00f3s. Por isso, lembramos Ant\u00f4nio Cicero, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), poeta, fil\u00f3sofo e letrista cuja obra, marcada por sensibilidade e profundidade, enriqueceu tanto a literatura quanto a m\u00fasica brasileira. Suas palavras e ideias continuar\u00e3o ecoando, nos inspirando e provocando a pensar.<\/p>\n

Em um mundo marcado por avan\u00e7os tecnol\u00f3gicos, mudan\u00e7as clim\u00e1ticas e a busca por justi\u00e7a social, a literatura serve como um elo entre passado, presente e futuro. O Jabuti, como seu pr\u00f3prio nome sugere \u2013 inspirado no animal descrito por Jos\u00e9 de Alencar como s\u00edmbolo de gravidade, prud\u00eancia e sabedoria \u2013 reflete essa conex\u00e3o entre ra\u00edzes culturais e inova\u00e7\u00e3o. Assim, o pr\u00eamio segue como um patrim\u00f4nio cultural do Brasil, renovando-se a cada ano, sem perder sua ess\u00eancia de celebrar o que h\u00e1 de melhor na nossa produ\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria e na alma dos brasileiros.<\/p>\n

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\nHubert Alqu\u00e9res \u00e9 o Curador do Pr\u00eamio Jabuti e vice-presidente da C\u00e2mara Brasileira do Livro.<\/em><\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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